Marcelo Santoro Almeida*
Em tempos de rótulos apressados e julgamentos ligeiros, ainda causa espanto quando duas pessoas com grande diferença de idade escolhem viver um relacionamento. As reações oscilam entre a curiosidade, o preconceito e, muitas vezes, a inveja disfarçada de moralismo. No entanto, o amor – ou o afeto que une dois indivíduos – não se submete ao calendário. Ele não consulta a certidão de nascimento para existir.
Essas relações, com frequência, nascem de uma complementaridade legítima: enquanto um lado busca apoio, estabilidade, serenidade e segurança emocional, o outro encontra estímulo, leveza e o impulso de se manter em movimento. Um oferece a solidez que a vida ensinou; o outro, o brilho do que ainda pode ser vivido. Essa troca é mais humana do que se imagina — e menos “interesseira” do que muitos supõem.Publicidade
Espelho da juventude
Oscar Wilde, em O Retrato de Dorian Gray, escreveu uma das metáforas mais potentes sobre o fascínio pela juventude. Dorian desejava permanecer jovem para sempre, transferindo para o retrato o fardo do tempo e da decadência. Em muitos relacionamentos com diferença de idade, o mais velho não busca enganar o espelho, mas reencontrar nele o reflexo de sua vitalidade — como se a presença do outro reacendesse um brilho adormecido.
Há algo profundamente simbólico nesse movimento. Amar alguém mais jovem pode funcionar como uma ponte com a própria história, uma tentativa de resgatar a espontaneidade, a ousadia e a curiosidade que o tempo, às vezes, silencia. Por outro lado, quem é mais jovem pode encontrar no parceiro mais velho um farol — alguém que já atravessou tempestades e, por isso mesmo, transmite paz. O encontro, então, não é de corpos em fases distintas, mas de almas em sintonia.Publicidade
O que incomoda os outros
Não há qualquer impedimento ético, moral ou religioso para esse tipo de vínculo. O que costuma incomodar está fora da relação — e não dentro dela. É o olhar alheio, contaminado pela inveja ou pelo preconceito. O amor maduro desafia padrões sociais e revela o quanto ainda somos prisioneiros de convenções antiquadas sobre o que “deveria” ser um casal.
Quando a diferença de idade é grande, a sociedade parece exigir justificativas: “o que ela viu nele?”, “será que é por interesse?”, “não combina”. São frases que escondem o desconforto de quem, no fundo, teme encarar a liberdade alheia. É mais fácil desqualificar o outro do que admitir o próprio desejo de viver sem medo do julgamento.
O tempo como aliado
Relações assim podem ser, inclusive, mais conscientes. As diferenças de fase de vida — profissionais, familiares, existenciais — exigem diálogo, honestidade e maturidade. A ausência dessas virtudes, e não a diferença de idade, é o que destrói qualquer relação. Quando há respeito e reciprocidade, o tempo deixa de ser um obstáculo e se torna um aliado.
Amar alguém mais novo ou mais velho é, no fundo, um ato de coragem. É reconhecer que o relógio marca as horas, mas não define o valor dos sentimentos. É admitir que o tempo, esse mesmo que a todos envelhece, pode também rejuvenescer quando usado com sabedoria.
E talvez seja essa a lição mais bela: o verdadeiro amor não é aquele que desafia o tempo, mas o que o torna irrelevante.
*Marcelo Santoro Almeida é professor de Direito de Família da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio
“Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornal Hoje em Dia”.
Fonte: Hoje em Dia