Analfabetismo funcional está estagnado há sete anos – Imagem: Montagem com Freepik e Freepik – JORNAL DA USP
Ângela Mathylde Soares*
O Brasil enfrenta desafios significativos com o analfabetismo há algumas décadas e apesar de aos poucos apresentar resultados positivos na alfabetização de cada vez mais brasileiros, o tipo “funcional” ainda continua com elevados números, preocupando especialistas.
Uma pesquisa recente, realizada pelo Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), revelou que o país se encontra estagnado, uma vez que os resultados seguem iguais aos de 2018, data do último levantamento. Os dados mostram que 3 a cada 10 brasileiros são considerados analfabetos funcionais, aproximadamente 29% da população.
Analfabetismo funcional é a denominação dada à incapacidade de ler e escrever, mesmo com determinado nível de conhecimento para praticar essas habilidades. Apesar de reconhecer as letras e outros símbolos e memorizar frases curtas, o indivíduo tem dificuldade para interpretar frases simples ou textos mais longos, comprometendo a capacidade de solucionar problemas diários.
Os resultados da pesquisa mapearam as habilidades de leitura, escrita e matemática dos brasileiros, entre 15 e 64 anos, de dezembro de 2024 a fevereiro deste ano, em todas as regiões, envolvendo 2.554 pessoas.
Os números divulgados ainda mostram que o percentual de analfabetismo funcional é maior entre o grupo de 40 a 64 anos, atingindo até 51% das pessoas com 50 anos ou mais. Em contrapartida, os menores valores estão na faixa etária mais jovem, sendo 84% dos indivíduos de 15 a 29 anos alfabetizados, contra 78% entre 30 e 39 anos.
Felizmente, essa não era a realidade nacional. Entre 2001 e 2009, o Brasil apresentou resultados positivos, quando a porcentagem permaneceu estagnada em 27%, até que, em 2018, o valor aumentou e permanece, desde então.
A estatística é explicada por diversos fatores. Vale recordar que a população mais velha não teve as mesmas condições de estudo que as gerações atuais, devido a desigualdade, falta de acesso a escolas, ensino precário, preconceito e a necessidade de abandonar os estudos para contribuir em casa, ou até mesmo, constituir família.
Lamentavelmente, parte desses motivos ainda segue na atualidade, de maneira menos intensa, mas, ainda responsável por tamanha desigualdade. A baixa qualidade do ensino pela falta de recursos e preparo profissional, junto do menor acesso à educação ou a interrupção dos estudos, decorrentes de questões pessoais, sociais ou financeiras, levando à constante descontinuidade e, consequentemente, o pouco incentivo e treino, elevam a dificuldade para consolidar o conhecimento.
O estudo ainda evidenciou essa realidade em relação ao aspecto racial e de gênero. As pessoas brancas costumam ser as mais alfabetizadas e corresponderam a 41% dos participantes, em contrapartida 31% dos pardos e pretos se encontram na mesma categoria, de habilidade consolidada. Já para os amarelos e indígenas, apenas 19% se mostraram no mesmo nível.
Por outro lado, agora as mulheres se apresentam mais funcionalmente alfabetizadas que os homens, afinal, por muitos séculos, somente eles foram os únicos com acesso a esse tipo de ensino. O crescimento já vinha sendo observado nos últimos anos, destacando 73% delas, contra 69% deles.
O motivo de tantos jovens serem considerados devidamente alfabetizados está nas políticas públicas implementadas para valorizar e incluir cada vez mais alunos de diferentes realidades em ambientes escolares. A proposta é iniciar o que é considerado o primeiro passo para uma construção de uma vida de integração e construção do sucesso na fase adulta.
Contudo, essa política não pode parar, principalmente porque desde o início da pandemia a educação brasileira foi profundamente afetada e, mesmo após o fim do período mais crítico, que impediu milhares de alunos de frequentarem as aulas de maneira presencial, os efeitos ainda são sentidos e mostram que, nos próximos anos, o Brasil pode enfrentar as consequências do lockdown, registrando estagnação ou regressão de resultados, anteriormente considerados tão positivos, como a queda no número de crianças alfabetizadas na idade adequada.
*Neurocientista, psicanalista e psicopedagoga
Este texto não reflete a opinião.
Fonte: Hoje em Dia