O valor de traduzir o óbvio

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Claudia Bezerra*

Tenho pensado muito sobre um instante específico. Sabe aquele momento em que somos tocados por uma propaganda que, quando a gente olha de perto, é de uma simplicidade desconcertante? Ela é tão básica, tão fundamental, que se revela inquestionavelmente óbvia. A gente pisca, sorri e a frase escapa sem querer: “Gente, como é que ninguém pensou nisso antes?”. É nesse ponto exato, pra mim, que reside a força, o poder e, arrisco dizer, a boa publicidade. 

Agora, te pergunto, o que tem mais valor? Inventar o que jamais existiu ou traduzir o que era inevitável? Independentemente da sua resposta, o fato é que a excelência no mercado jamais está desconectada da vida real. Ela vive na cultura, respira no nosso cotidiano e, acima de tudo, se alimenta da complexidade humana de sensações. Vivemos cercados por sentimentos, estímulos e percepções que, sozinhos, somos incapazes de nomear, ordenar ou transformar em algo palpável.Publicidade

Pensemos, por exemplo, em uma situação muito comum. Você utiliza um serviço ou produto que lhe confere uma tranquilidade singular, aquela sensação de que tudo está sob controle, mas não consegue identificar que o real diferencial competitivo dele é a “paz de espírito” que ele entrega. É nesse vazio de expressão que a publicidade, munida de estratégia e criatividade, surge como a nossa tradutora universal do sentir.

Por isso, defendo que a genialidade da publicidade não está em fabricar um desejo do nada, e sim em dar forma visível a uma percepção que estava adormecida no coletivo. Pegar o óbvio que estava ali, invisível e desordenado na cabeça de milhões de pessoas e o transformar em uma mensagem clara. O bordão “Tomou Doril, a dor sumiu” é um exemplo perfeito. É a descrição mais óbvia e direta do efeito esperado de um analgésico, mas a simplicidade e a rima fácil o tornaram um dos slogans mais memoráveis e duradouros da publicidade brasileira.

O óbvio quando traduzido tem um poder de conexão e de memória que é simplesmente imbatível. Ele não exige do consumidor um esforço intelectual para aprender algo novo, ele apenas pede que ele reconheça algo que já fazia parte da sua vida. Quando um anúncio é tão certeiro que você se identifica na hora, aquela barreira natural de defesa cai. A mensagem não é sentida como uma imposição externa. Ela se torna um espelho no qual nos vemos refletidos em nossas próprias experiências e aspirações. 

A publicidade, então, é a arte sutil e complexa de colocar ordem na bagunça sensorial do nosso mundo para construir a reputação de uma marca. E quando a execução é perfeita, o insight vira uma campanha que toca o coração, gera lealdade e, claro, se traduz em sucesso no mercado. É a prova de que um trabalho de pensamento profundo se esconde sob o manto da mais pura e eficaz simplicidade.

Que bom que a publicidade existe para nos ajudar a dar nome ao que estava apenas à espera de ser dito. Que bom que a estratégia nos garante que o óbvio, quando traduzido com elegância, criatividade e inteligência, é o caminho mais direto para a confiança do público. 

*Publicitária e sócia da Kind Branding

“Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Jornal Hoje em Dia”.

Fonte: Hoje em Dia

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