Genialidade extraordinária

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O famoso mural representa o jantar em que Jesus anuncia que um de seus doze discípulos o trairá
Foto: Miguel Medina/AFP

*Por Vittorio Medioli

Uma pessoa altamente especializada presta à sociedade favores relevantes, mas, para sobreviver com razoável dignidade, precisa de um sem-número de outros especializados para socorrê-lo a toda hora. Ganha bem e gasta muito. A especialização começa a ser questionada como a causa do desaparecimento dos gênios. Aqueles que, pela abrangência de seu saber, dispunham de conhecimentos variados, ecléticos, capazes de criar novas e desconhecidas conexões.

Atrás da arte excelsa de Leonardo da Vinci se escondia um saber enciclopédico de mecânica, química, medicina, filosofia, economia. A sua era uma procura sem limites pela perfeição que rege a natureza. Suas produções artísticas concatenavam o objeto a uma infinidade de causas e efeitos. Conseguia extrair a essência, a síntese do personagem após tê-lo estudado profundamente. Leonardo parece ter desenhado esqueletos e músculos antes de cobri-los com a pele. Tinha plena noção das veias, dos ossos, da carne, das gorduras de seus personagens e da forma como reagiam a uma emoção ou expressavam o sentimento.

Para pintar a “Santa Ceia”, estudou cada apóstolo, sua origem, seus feitos e os representou no exato momento em que Jesus manifestava a traição de um entre eles. O espanto e as reações de 11 discípulos foram representados com relativa facilidade, o que não aconteceu com os rostos de Judas e Jesus. Leonardo demorou cinco anos para encontrar uma expressão que se aproximasse da realidade daquele momento, renunciando parcialmente aos traços de Cristo. A obra nunca foi acabada.

Quanto menos eclético, menos atalhos terá o indivíduo para transitar na trajetória humana e na “selva obscura” que motivou Dante Alighieri a escrever a “Divina Comédia”.

A especialização, deformação da nossa época, leva o médico a sentenciar que a doença foi vencida, mas a morte sobreveio por efeitos colaterais. Como dizer: venci a batalha apesar de ter perdido a guerra. Mesmo na derrota, o especializado se considera vencedor.

A especialização é o álibi de uma infinidade de homicídios. Começa, enfim, a ser questionada e deverá tomar conta, nos próximos anos, dos meios acadêmicos para tentar corrigir as degenerações que impedem a genialidade de se desenvolver.

Fonte: O Tempo

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