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Desde o período colonial, o Baixo Sul da Bahia se destaca como o principal responsável pela produção nacional do cravo-da-índia, árvore também conhecida como craveiro, cujos botões secos são usados como especiaria.
Com mais de 3,3 mil produtores rurais envolvidos e cerca de R$ 250 milhões movimentados por ano, o cultivo representa uma importante fonte de renda para famílias agricultoras e comunidades rurais.
O setor, contudo, enfrenta desafios significativos, como o avanço de doenças fúngicas e a necessidade de renovação das plantações. Ainda assim, a força da organização comunitária, aliada aos esforços de instituições governamentais e de pesquisa, tem contribuído para revitalizar a produção.
A singularidade da cultura do cravo-da-índia na Bahia se deve a fatores históricos e, principalmente, às condições agroclimáticas da região do Baixo Sul, de acordo com o engenheiro agrônomo Assis Pinheiro Filho, diretor de Desenvolvimento da Agricultura da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Pesca e Aquicultura (Seagri).
“O cravo (Syzygium aromaticum) foi introduzido no Brasil pelos portugueses, no período colonial. As primeiras sementes foram plantadas na região de Valença, onde a cultura se adaptou e floresceu por séculos. Embora outras regiões tenham tentado o cultivo, foi no Baixo Sul que ele se estabeleceu em larga escala”, explica.
Sobre as condições agroclimáticas, Assis acrescenta: “A cultura exige um clima específico, e o Baixo Sul oferece: alta umidade e chuvas bem distribuídas, ideais para o desenvolvimento da árvore; condições costeiras semelhantes às ilhas tropicais da Indonésia, origem da especiaria; e solos que suportam culturas perenes de longa vida útil, como o cravo e o dendê. A produção é concentrada em municípios como Valença, Ituberá, Taperoá, Camamu e Nilo Peçanha, permitindo a formação de um arranjo produtivo local (APL) e o desenvolvimento de competências específicas de manejo e colheita”.
Predominantemente familiar, o cultivo do cravo-da-índia se distingue por um ciclo produtivo longo e que demanda intensa mão de obra.
“A propagação do cravo é feita por sementes frescas, plantadas em sacolas com substrato leve e úmido, onde se desenvolvem as mudas para o plantio.A colheita começa entre cinco e sete anos após o plantio, quando os botões florais estão fechados e avermelhados. Em seguida, os botões são secos ao sol por quatro a cinco dias, até ficarem escuros e duros”, descreve Márcio Queiroz, presidente da Associação dos Produtores de Cravo-da-Índia da Bahia (Aprocravo).
A Bahia mantém destaque na exportação do cravo-da-índia em botão seco, tendo como principais destinos os Emirados Árabes, América do Sul, Paquistão e México. Entre as exportadoras está a Agrospice, empresa familiar sediada em Taperoá.
“Na safra 2024/2025, exportamos dois milhões de quilos. O que diferencia o cravo brasileiro de outros produtores são os preços atrativos. Nosso processo de colheita é mecanizado, o que nos distingue de produtores que ainda mantêm um ciclo totalmente manual”, afirma Ícaro Leonardo Silva, sócio-proprietário da Agrospice.
Contudo, os produtores baianos enfrentam desafios crescentes. Segundo Valdemir de Jesus Reis, produtor na região de Valença, a mão de obra qualificada tem se tornado cada vez mais escassa, enquanto os cravos apresentam resistência menor.
“Com a mortandade dos craveiros a partir dos oito, dez anos, temos perdido muitos plantios. Hoje já se sabe que não é possível replantar na mesma área, o que obriga os produtores a buscar novas terras. Boa parte do problema também está na mão de obra e no preço. É preciso agregar valor à produção, pois, quando há preço adequado, a mão de obra e a aquisição de insumos são facilitadas”.
As questões fitossanitárias também ameaçam a cultura. “A morte súbita do craveiro, associada ao fungo Cytospora, representa ameaça constante aos pomares, exigindo soluções de manejo integrado.A dependência do regulador vegetal Ethrel para uniformização da colheita gera preocupações ambientais e demanda alternativas tecnológicas. A carência de assistência técnica especializada, a dificuldade de acesso ao crédito rural e as deficiências em infraestrutura de processamento completam um quadro de limitações que impactam a competitividade e sustentabilidade da cadeia produtiva”, destaca o pesquisador Francisco Laranjeira, chefe-geral da Embrapa Mandioca e Fruticultura.
Fortalecer a produção
Para contornar a situação, “nota-se um esforço dos produtores em se organizar e sua busca por maior apoio de instituições públicas para suas demandas”, afirma Francisco.
Como resultado dessa iniciativa, a Seagri e a Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab), em parceria com outras instituições como o IF Baiano, Embrapa e associações de produtores – como a Aprocravo – anunciaram a criação de um Plano Estratégico de Fomento à Cadeia Produtiva do Cravo no Baixo Sul.
De acordo com Assis Pinheiro Filho, o plano visa fortalecer a produção regional e as exportações do estado, garantindo mais renda para os agricultores familiares e estruturando a cadeia produtiva com qualidade e sustentabilidade.
Entre as ações previstas estão a implantação do Selo de Indicação Geográfica (IG), que certifica a origem do cravo do Baixo Sul e agrega valor ao produto; o foco no controle de pragas, com assistência técnica e pesquisa; a erradicação de craveiros mortos por doença; a disponibilização contínua de assistência técnica aos produtores; capacitação em novas tecnologias agrícolas; e investimentos em melhoramento genético para o manejo sustentável das lavouras.
Fonte: A Tarde









